“Considerada a mais nova das técnicas hidropônicas, muitas respostas ainda têm de ser respondidas na Aeroponia. Portanto, o desafio de se produzir plantas com sistema radicular suspenso no ar, além de grande oportunidade de linha de trabalho e pesquisa no Brasil, me fascina”. (Thiago Leandro Factor)
A Aeroponia é um conceito simples, mas é o mais técnico entre os tipos de sistemas de produção sem solo. O sistema aeropônico é utilizado por muitos produtores porque tem trazido resultados muito positivos.
Esta técnica foi inventada durante a década de 40 e, desde então, muitos pesquisadores têm ampliado conhecimentos a teoria e aplicação deste método. A Plataforma Hidroponia abrange toda a cadeia da produção sem solo, e se propõe sempre a buscar e trazer para você o que há de mais atual nas informações, pesquisas e mercado sobre a produção hidropônica.
Com esse propósito, trouxemos nosso consultor, o Engenheiro Agrônomo, Mestre e Doutor em Produção Vegetal pela UNESP Jaboticabal, Thiago Leandro Factor, é um desses estudiosos.
Nascido em Descalvado, interior do estado de São Paulo, Thiago tem 42 anos, reside em Mococa, interior do estado de São Paulo e atua na pesquisa e desenvolvimento de sistemas aeropônicos, com ênfase em plantas de sistema radicular com valor agregado.
Nesta entrevista vamos conhecer um pouco sobre um dos mais importantes pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Centro de Ação Regional, Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento de Mococa e sobre a técnica que promete ser uma das principais opções sustentáveis de cultivo sem solo.
PH – Como e quando a Aeroponia passou a fazer parte da sua vida?
TF – Em 2003, por ocasião da elaboração do projeto de minha Tese de Doutorado sob a orientação do Prof. Dr. Jairo Augusto Campos de Araújo da UNESP Jaboticabal, autor de um dos primeiros livros básicos sobre Hidroponia do país (CULTIVO SEM SOLO – HIDROPONIA – Editora Funep/Unesp, 1995, 43p.) e um dos maiores incentivadores da Hidroponia que conheci em toda minha vida profissional.
Nesta ocasião, o cultivo em sistemas aeropônicos ainda era restrito a poucos artigos de pesquisa e a trabalhos da NASA, por meio do projeto CELSS (Controlled Ecological Life Support System) e do CIP (Centro Internacional de Batata) em Lima/Perú. A expectativa era que a Aeroponia poderia alavancar a produção de batata semente no Brasil, uma vez que os primeiros trabalhos do exterior mostravam taxas de multiplicação até 10 vezes maior do que as obtidas em substrato. Porém, o desafio de cultivar uma planta de clima temperado em clima tropical e em Aeroponia era o que o futuro nos reservava.
PH – Por que a Aeroponia?
TF – Considerada a mais nova das técnicas hidropônicas, muitas respostas ainda têm de ser respondidas na Aeroponia. Portanto, o desafio de se produzir plantas com sistema radicular suspenso no ar, além de grande oportunidade de linha de trabalho e pesquisa no Brasil, me fascina.
E para a produção de batata semente, alvo do início dos trabalhos, a Aeroponia se mostrava como melhor opção, uma vez que as sementes são vendidas por unidade e não por peso, o que viabiliza o investimento na técnica, uma vez que a taxa de multiplicação realmente é muito maior quando comparada aos sistemas tradicionais de cultivo.
PH – Dentro da Aeroponia, quais as principais características que você destacaria?
TF – A principal vantagem da Aeroponia é o consumo de água/solução nutritiva. Como é feita somente uma nebulização no sistema radicular, a solução não fica exposta a evaporação, sendo o gasto de água bem menor.
Além disso, tem-se a oportunidade de acesso mais fácil ao sistema radicular, o que lhe dá oportunidade de realizar colheitas escalonadas, na medida em que seu cliente necessita (tamanho/peso do produto). Ademais, o terceiro ponto que destacaria é a maior adaptação aos sistemas de cultivo empilhados.
Pelo fato de não precisar conter a solução nutritiva em caixa/recipiente como o “DFT” ou um canal para que passe um filme de solução nutritiva como o “NFT” a carga ou peso da água sobre a estrutura é menor, com isso o projeto estrutural de empilhamento e cultivo “indoor”, por exemplo, tende a ser menos robusto e de menor peso.
PH – No Brasil, como está o mercado para essa técnica?
TF – A Aeroponia na produção de batata semente já é uma realidade. Atualmente, 5 empresas de batata investiram e adotaram esta técnica. Somadas vão produzir cerca de 5 milhões de minitubérculos de batata semente por ano.
Muitos desafios já foram superados, como a forma da bancada de cultivo, os materiais a serem utilizados, a disposição das linhas e número de nebulizadores por m3, o tratamento da solução recirculante visando principalmente conter doenças causadas por Phytium e bactérias em batata, a melhor solução nutritiva para cada fase de desenvolvimento e produção da batata.
No entanto, a Aeroponia em batata está sendo aperfeiçoada, e muitos desafios ainda terão que ser enfrentados, como o uso de reguladores de crescimento em batata de verão, a grande variação de tuberização que ocorre entre as variedades, dentre outros.
Contudo, nós da pesquisa e do IAC/SAA de São Paulo, podemos dizer que cumprimos nossa missão institucional que foi de trazer, desenvolver, adaptar e difundir novas tecnologias de Aeroponia no Brasil. Vale lembrar nesta ocasião o indispensável apoio da FAPESP (Processo nº 2012/50786-8) no pontapé inicial e depois das empresas de batata semente que auxiliam no aperfeiçoamento desta tecnologia.
Outro emergente mercado para os sistemas aeropônicos é o de cultivo “indoor” e de sistemas autônomos de produção para casa, os chamados “aerogardens”. Esses sistemas permitem o controle total e automatizado dos sistemas de nebulização e de iluminação artificial com uma pegada de produto de decoração e alimentação saudável.
É o caso do produto que a empresa Aeropônica, especializada no desenvolvimento de sistemas aeropônicos e iluminação artificial, vem desenvolvendo e que muito provavelmente no próximo ano deve começar a ser produzido e comercializado no país (produto nacional).
PH – Qual a participação dela dentro do contexto da Hidroponia?
TF – A participação da Aeroponia dentro do contexto da Hidroponia ainda é muito pequeno, diria que inexpressivo. No entanto, com as pessoas cada vez mais exigentes em produtos de qualidade e livre de agrotóxicos, que valorizam temas como sustentabilidade e uso racional da água, diria que o futuro é bastante promissor.
PH – Quais as características que diferenciam a Aeroponia dos demais sistemas de cultivo sem solo. Quais os cultivares que se adaptam melhor a este sistema de produção?
TF – Basicamente o que diferencia a Aeroponia de outros tipos de Hidroponia está relacionado à forma com que a solução nutritiva é colocada à disposição das plantas e a maneira com que o sistema radicular é exposto. No caso da Aeroponia, é realizado nebulização no sistema radicular e as plantas fixadas pelo colo, sendo que as raízes ficam suspensas no ar.
Assim sendo, o crescimento da raiz é livre, não ocorre nenhum impedimento ou limitação ao crescimento, com isso a planta tem a oportunidade de expressar todo seu potencial genético de crescimento das raízes sem as limitações que o solo ou uma Hidroponia convencional poderia impor, seja por barreiras físicas ou competição com sistema radicular de outras plantas.
Aumento no crescimento das raízes, melhor crescimento da parte aérea das plantas e, consequentemente, maior produtividade e qualidade dos produtos. Não tem nenhum milagre na Aeroponia. É uma questão lógica e que pode ser constatada visualmente.
PH – Em quais regiões do Brasil essa técnica vem sendo mais aplicada?
TF- Os primeiros trabalhos de Aeroponia no país iniciaram-se, como relatado anteriormente, na forma de protótipo no início dos anos 2000 na UNESP Jaboticabal e com a cultura da batata.
Contudo, só começou a ser adotada pela iniciativa privada a partir dos trabalhos do IAC, na Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento de Mococa (UPD Mococa), já nos anos 2013/2014, com a instalação do primeiro sistema aeropônico, considerado mais próximo de um sistema comercial, do país. Este sistema funcionando proporcionou oportunidade para vários empresários e interessados em conhecer a técnica da Aeroponia visitar “in loco”, além de ser motivo de diversas inserções na mídia digital e de TV aberta.
A partir desses trabalhos surgiram vários interessados em diversas regiões do país, sendo o primeiro sistema comercial privado de Aeroponia a ser instalado o da empresa Biotech sementes de Guarapuava-PR, em seguida da empresa CBA sementes da cidade de Divinolândia/SP. Atualmente, sistemas aeropônicos comerciais estão presentes nos estados de Minas Gerais e Bahia, além de São Paulo e Paraná já citados.
No que tange o uso da Aeroponia para a produção em sistemas “indoor” e aparelhos autônomos para o uso no interior de casas, o núcleo central de desenvolvimento está no estado de São Paulo, porém diversas iniciativas estão aparecendo Brasil afora. Acredito que em muito pouco tempo, diversos sistemas aeropônicos para a produção de folhas, principalmente as mini-folhas ou “baby leaf” estarão espalhados pelo Brasil.
PH- Qual o retorno conceitual de sustentabilidade da Aeroponia?
TF- Muito grande, uma vez que dentre os sistemas hidropônicos é o que mais economiza água. Ademais, quando produzido em ambiente protegido com telas anti-afídeos ou em ambientes fechados, o uso de defensivos agrícolas é muito pequeno ou inexistente.
Sem contar a questão social, ou seja, um sistema de Aeroponia com iluminação artificial em um apartamento, por exemplo, pode ser motivo de entretenimento para idosos e pessoas com alguma limitação física e/ou mental, além de ser atrativo visualmente e poder reunir a família em experiências gastronômicas as mais variadas possíveis.
PH – Qual o futuro/perspectivas/
TF – A questão da aeração da solução nutritiva já é uma premissa superada no sistema aeropônico, uma vez que a raiz fica suspensa no ar e, desde que bem manejado o regime de nebulização, a falta de oxigenação na solução nunca será problema.
Em contrapartida, esse é um dos principais problemas de soluções nutritivas em regiões ou épocas do ano com temperaturas elevadas. Quanto maior a temperatura do ar, maior a da solução nutritiva e menor oxigenação do sistema radicular. Assim sendo, com a tendência de elevação da temperatura média mundial, talvez os sistemas aeropônicos sejam uma excelente opção para as regiões em que os sistemas hidropônicos convencionais se tornem inviáveis ou muito difíceis de se manejar a temperatura no futuro.
Dentro deste contexto, no entanto, gostaria de aproveitar a oportunidade para mencionar que a Aeroponia não é a salvadora da pátria, não tem viabilidade para todas as culturas e regiões e não deve ser utilizada em substituição aos sistemas hidropônicos convencionais que estão dando certo, como por exemplo, o cultivo de folhosas de forma convencional em sistemas do tipo NFT, os mais populares do Brasil.
Atualmente, plantas de alto valor agregado do sistema radicular como algumas espécies medicinais, cosméticas e aromáticas, além da batata semente e mini folhas ou “baby leafs” em sistemas empilhados vem apresentando bons resultados.
Apesar do grande potencial da Aeroponia, ainda existem muitas respostas a serem respondidas. Portanto, para a sua adoção é imprescindível conhecimento avançado em Hidroponia, capacitação e, sobretudo, um minucioso estudo de viabilidade econômica, visando melhor assegurar o retorno dos recursos a serem investidos.